CARÊNCIA

Tenho recebido muitos pacientes em meu consultório com uma demanda muito específica: carência. Sempre em um discurso muito pautado na culpa externa, que não o implica a agir: “não fui amado o suficiente pelos meus pais, não tive uma figura de pai ou uma mãe representativa, marcante e, por esse motivo, costumo projetar essa emoção disfuncional em meus relacionamentos. Por esse motivo, não dão certo…”

Muitas vezes exige da minha parte, enquanto psicólogo, uma grande desconstrução, de modo a promover outra reflexão acerca deste vivido, uma vez que esse mesmo interlocutor passou praticamente toda a existência se apoiando nesta fala, que até aquele momento, fez sentido, foi coerente, justificada pela questão causa-efeito.

Confesso de que esta “deficiência” é uma situação plausível de se debruçar, mas permanecer nela, pode ser um grande erro, principalmente nos casos em que a vida não nos possibilitou uma escolha, como: falecimento, abandono ou mesmo ausência desta figura.

O que fazer com as pessoas que nem tiveram essas referências tão importantes? Estão fadadas ao modus operandi de ser carente ad eternum? Claro que não! Convicto que esta condição nos inebria e nos impede que prossigamos, enxerguemos novas possibilidades, indico que uma saída é sermos abertura a outros modos de pensar, como, por exemplo: não tive uma referência paterna ou materna, mas, em contrapartida, tive um tio, tia, avô, avó… que pôde representar esse papel imprescindível na minha vida. Se não encontremos neste vivido, ainda podemos desdobrar para outras pessoas tão significativas quanto. Certamente encontraremos…

Por que digo isso? Temos uma tendência confortável de culpar o nosso entorno por questões que nos atravessam constantemente, não precisamos, talvez, de grandes elaborações psicanalíticas de modo a encontrar subsídios para justificar esses sentimentos que permeiam a nossa existência.

É preciso assumir essa limitação vitimista com protagonismo, jogando fora as muletas que te fizeram chegar até aqui e aceitá-la com tomada de consciência de quem você é, do que faz da sua vida, e suas relações interpessoais aqui, neste momento, neste contexto histórico. Faz-se necessário aceitar que o chamamento para esta condição limitante tem o mesmo sentido de transcender-se, compreender a condição dada que hoje é sua limitação: a carência.

Faz sentido, também, entender que nunca saberemos tudo sobre a nossa existência, que qualquer ideia que tenhamos sobre o outro e sobre nós mesmos é apenas isto: uma ideia que nunca traduzirá a totalidade. Qualquer explicação será apenas isto: uma imagem ou um fato, que poderão ser ressignificados a partir do momento que nos propusermos a assumir as nossas limitações não como justificativas, mas como entendimento responsável de nossas escolhas.

Psicólogo Marcos Yorinobu

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